quinta-feira, 11 de junho de 2020

PENAL - Princípio da insignificância

Nesse post, irei comentar a recente decisão do STF sobre o princípio da insignificância. Mas, antes disso, que tal a gente relembrar algumas questões fundamentais sobre este princípio?

1. Qual a natureza jurídica do princípio da insignificância?

Trata-se de uma causa de exclusão da tipicidade. Como se sabe, a tipicidade penal é constituída pela tipicidade formal e material. Com a incidência da insignificância, ocorre tão somente a tipicidade formal do fato (juízo de adequação entre o fato e o modelo de crime descrito na lei). Inexistente, portanto, a tipicidade material, consistente na lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.

2. Qual a finalidade do princípio da insignificância?

Realizar uma interpretação restritiva da lei penal. É vetor interpretativo do tipo penal. Segundo Cléber Masson, o princípio da insignificância destina-se a diminuir a intervenção do Direito Penal, não podendo em hipótese alguma ampliá-la.

3. Qual a relação do princípio da insignificância com outros princípios do Direito Penal?

Tem relação direta com a princípio da isonomia, na medida em que visa corrigir irracionalidades e promover a igualdade material, superando a pretensão de igualdade meramente formal.

Por outro lado, a insignificância retira fundamento do princípio da lesividade, na medida em que implica numa avaliação qualitativa (quanto a natureza do bem jurídico) e quantitativa (quanto a extensão da lesão ao bem jurídico). Do ponto de vista quantitativo (extensão da lesão), o princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou secundária de lesões irrelevantes de bens jurídicos. Nessa medida, o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal.

A insignificância tem relação direta ainda com o princípio da intervenção mínima. A intervenção mínima, dessa forma, estatui o postulado da necessidade no direito penal, e fundamenta o princípio da insignificância como expressão de desnecessidade de intervenção.

Por fim, o princípio da proporcionalidade/razoabilidade fundamenta o princípio da insignificância, na medida em que para a sua aplicação é analisada a proporcionalidade em sentido estrito realizando-se um juízo de sopesamento entre a gravidade da conduta praticada e a severidade da reação que o ordenamento jurídico imporá ao autor do fato punível.

4. Qual a diferença entre o princípio da insignificância e o princípio da adequação social?

A adequação social incidirá sobre hipóteses nas quais a conduta praticada pelo sujeito, embora possa adequar-se à tipicidade formal e, eventualmente, até gerar lesão relevante a um bem jurídico protegido pela norma penal, será considerada materialmente atípica por ser inerente ao convívio social, podendo, inclusive, se traduzir em conduta aceitável ou fomentada. A insignificância, entretanto, guarda correlação com a inexpressividade de uma lesão a bem jurídico.

Enquanto, assim, a adequação social decorre da aceitabilidade ou do fomento da conduta, a insignificância decorre da falta de justificativa para se recorrer ao exercício do poder punitivo, posto desproporcional ao caso concreto, embora o fato não seja socialmente fomentado nem faça parte do convívio ordinário da sociedade

6. A insignificância pode ser incluída como critério de imputação objetiva?

Alguns autores modernos, como Juarez Tavarez, vêm trabalhando a insignificância também como um critério de imputação objetiva, no âmbito da ausência de criação ou de aumento de risco a insignificância da lesão jurídica. Nesse caso, estuda-se a aplicação do princípio da insignificância acerca da contribuição causal para o resultado. A imputação, portanto, será excluída pela ausência de dominabilidade do processo causal por parte do sujeito, a qual será apreciada ex ante por seu aspecto físico de intervenção nos fatos.

5. Quais são os requisitos para aplicação desse princípio?

Segundo Cléber Masson, é possível se falar em requisitos objetivos e subjetivos para aplicação desse princípio. Os primeiros são relacionados aos fatos, enquanto estes últimos são relacionados ao agente e à vítima. 

Conforme jurisprudência do STF, são requisitos objetivos para aplicação do princípio da insignificância os seguintes:

a) mínima ofensividade da conduta do agente;

b) nenhuma periculosidade social da ação;

c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e

d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

A doutrina critica a tautologia desses vetores de aplicação.

Por outro lado, os requisitos subjetivos para aplicação do princípio da insignificância estão relacionados a:

a) reincidência;

Há corrente aceitando e inadmitindo a aplicação da insignificância a agente reincidente.

Os que admitem a aplicação afirmam que a tipicidade exclui a tipicidade do fato, e a reincidência (agravante genérica) é utilizada somente na dosimetria da pena.

O STF já admitiu a aplicação ao reincidente genérico, excluindo a aplicação ao reincidente específico (HC 114.723/MG – 26/08/2014).

b) habitualidade delitiva

Segundo Masson, o criminoso habitual é aquele que faz da prática de delitos o seu meio de vida. A aplicação da insignificância nesse caso tornaria a lei inócua se tolerada a reiteração do mesmo crime, tornando-se um autêntico incentivo ao descumprimento do Direito Penal.

Entretanto, o STF já admitiu a aplicação da insignificância a uma situação de habitualidade criminosa, num caso de furto famélico, ou seja, praticado para saciar a fome do agente ou de pessoa ligada por laços de parentesco ou de amizade (HC 141.440 – 14/08/2018).

c) crimes cometidos por militares;

Para o STF, é vedada a utilização do princípio da insignificância nos crimes cometidos por militares, em razão da elevada reprovabilidade da conduta, da autoridade e da hierarquia que regulam a atuação castrense.

d) condições da vítima

Para se aplicar o princípio da insignificância, é preciso analisar a importância do objeto material para a vítima, levando-se em consideração a sua condição econômica, o valor sentimental do bem, como também as circunstâncias e o resultado do crime. Ex: roubo de bicicleta velha e cheia de defeitos de um servente de pedreiro pobre, que a usa para ir trabalhar.

6. Quais crimes não admitem a aplicação do princípio da insignificância?

Os entendimentos jurisprudenciais sobre a maioria dos crimes para os quais se negava a aplicação do princípio da insignificância vem sendo flexibilizados ao longo do tempo. Vamos tratar sobre a aplicabilidade desse princípio.

·       Não se aplica aos crimes de roubo e cometidos com violência e grave ameaça, dada a maior reprovabilidade;

Não se aplica aos crimes contra a Administração Pública – o STF e STJ já admitiram a aplicação do instituto em situações extremas;

·   Também inaplicável, em regra, à Lei de Drogas, pois são crimes de perigo abstrato – mas o STF já admitiu a aplicação no caso do art. 28 da LD;

·    O STF e STJ tem entendimento pacífico acerca da aplicabilidade da insignificância para os crimes de descaminho e crimes tributários federais, exceto quando o tributo ultrapassa R$ 20.000,00 quando deixa de ser insignificante, pois consistem em quantia que pode ser perseguida pela Fazenda Pública na cobrança via execução fiscal. Aliás, sobre o tema, recente e importante julgado do STJ:

Não pode ser aplicado para fins de incidência do princípio da insignificância nos crimes tributários estaduais o parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido no art. 20 da Lei 10.522/2002, devendo ser observada a lei estadual vigente em razão da autonomia do ente federativo.STJ. 5ª Turma. AgRg-HC 549.428-PA. Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/05/2020.

·   Não se aplica, em regra, ao crime de contrabando, em face da natureza proibida da mercadoria importada ou exportada, embora o STJ já tenha admitido, excepcionalmente, a aplicação do princípio no caso de importação proibida de pequena quantidade de medicamento para uso próprio (EDcl no AgRg no REsp 1.708.371/PR 0 24/04/2018).

·       Não se aplica, em regra, aos crimes ambientais, em face da natureza difusa e da relevância do bem jurídico protegido, reservado às futuras gerações. No entanto, os tribunais superiores já aplicaram esse princípio quanto ao crime do art. 34, caput, da Lei 9.605/98 (art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente”).

·       Não se aplica aos crimes contra a fé pública, cujo bem tutelado é a credibilidade depositada nos documentos, nos sinais e símbolos empregados nas relações indispensáveis à vida em sociedade.

·       Não se aplica aos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher.

7. Qual o teor da última decisão do STF?

Extrai-se do Informativo 973 do STF o seguinte julgado:

É possível aplicar o princípio da insignificância para o furto de mercadorias avaliadas em R$ 29,15, mesmo que o a subtração tenha ocorrido durante o período de repouso noturno e mesmo que o agente seja reincidente. STF. 2ª Turma. HC 181389 AgR/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 14/4/2020 (Info 973).

Não custa lembrar que, em regra, o STF e o STJ afastam a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada.

Vale ressaltar, no entanto, que esses tribunais já decidiram que a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto (STF. Plenário. HC 123108/MG, HC 123533/SP e HC 123734/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 3/8/2015; STJ. 5ª Turma EDcl-AgRg-AREsp 1.631.639- SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 19/05/2020)

Dessa forma, de acordo com a situação apresentada no caso concreto, é possível, sim, aplicar o princípio da insignificância mesmo para réus reincidentes.

 


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